Sunday, December 19, 2010

Segredos de Tapioca


Tapioca é uma bênção. Até muito pouco tempo, eu, como a grande maioria dos brasileiros, acreditava que a tapioca era algo legitimamente brasileiro. Ignorância ufanista. Aprendi recentemente com um amigo americano que a tapioca tem sua origem provável na América Latina, mas é encontrada em diversos países da América Central, da África e da Ásia. Sabem quem é o maior produtor de tapioca no mundo? O Brasil? Errou. É a República do Congo.

Seja lá de onde ela venha, é fantástica. Estou falando da tapioca “farinha” que é produzida a partir da mandioca. Existem vários tipos de farinhas de tapioca: em forma de bolinha, parecida com sagu; em pó e a goma, que é a farinha na sua forma mais “fresca”. O polvilho, uma farinha bem fininha usada para fazer pão de queijo, também é uma "espécie" de tapioca.

Há cerca de um ano comecei a ter que viajar para Manaus a trabalho. Até essa época, só conhecia uma coisa da tapioca: aquilo que chamamos de tapioca e que consiste numa espécie de “panquequinha” e pode ser recheada com queijo coalho, carne-seca, doce de leite e o que a criatividade ou o mal gosto puder inventar. Há algumas variações da forma de fazê-la. Na Bahia, por exemplo, é comum adicionarem coco ralado à farinha para fazer a tapioca. Mas não é da tapioca-panqueca que vou falar, porque essa todo mundo conhece, quase todo mundo gosta e dá pra comer na feira, na rua e em diversos restaurantes do Brasil, inclusive em São Paulo.

Só tem uma coisa a declarar: pra mim a tapioca deve ser recheada com queijo coalho e regada com manteiga de garrafa ou mel de engenho (melado) e só.

Nas minhas idas a Manaus, fui aprendendo a utilidade e a versatilidade da tapioca. Essa de bolinha, que nos Estados Unidos é chamada de “pearl” (“pérola”) pode ser comida “in natura”, como se fosse salgadinho, porque tem uma consistência muito crocante. Em Manaus, é comum adicionarem ao açaí. Ao ler um pouco sobre o uso da tapioca nos diversos países descobri que os americanos servem em diversos bares e restaurantes o que eles chamam de “bubble tea”: um chá serviço com as bolinhas. Mas descobri que isso não é coisa de americano. Conversando com uma amiga paraense, descobri que colocar tapioca nas bebidas é coisa muito antiga e comum por aquelas bandas. Eles colocam até no café com leite. Ainda não provei; depois eu conto pra vocês o gosto que tem.

O que realmente mais gosto de fazer com esse tipo de tapioca é um pudim de tapioca no banho-maria. A primeira vez que tentei fazer sozinho, foi uma catástrofe. O pudim ficou lindo, dourado com a calda de açúcar queimado, um cheiro maravilhoso, mas a consistência parecia uma almofada de silicone. Isso porque exagerei na quantidade de tapioca e no cozimento. Resultado: uma estátua de gesso em forma de pudim que racharia uma cabeça dura.

Daí eu fui aprendendo. Sem seguir nenhuma receita, atingi o ápice da maravilha do pudim de tapioca, e é essa receita que eu divido com vocês agora. Detalhe: já comi vários pudins de tapioca, mas não segui receita nenhuma. Fui testando, errando, testando, acertando...

Coloque numa vasilha grande:

02 xícaras de tapioca de bolinha

01 ou 02 xícaras de açúcar

03 ovos

01 garrafinha de leite de coco

01 lata de leite condensado

250g de coco ralado

250g de queijo parmesão ralado ou ricota fresca.

¼ de manteiga ou ½ xícara de manteiga de garrafa

½ xícara de pinga (com o tempo vocês vão perceber que eu coloco pinga em quase tudo.

Mexa bem todos os ingredientes, cubra a vasilha e coloque na geladeira por, no mínimo, 2 horas. Esse é um dos segredos do pudim: a tapioca precisa de um tempo para amolecer e absorver os líquidos, porque se você misturar tudo e colocar no fogo, o pudim vai ficar cheio de bolinhas duras de tapioca.

Ao tirar da geladeira, você vai perceber que uma boa parte da mistura “endureceu”. É assim mesmo. E quanto mais tempo deixar (e eu já deixei “curtindo” uma noite inteira), mais essa massa fica consistente. E esse mistura, sem nenhum cozimento é chamada de “bolo podre” e muito famosa na cozinha amazônica. Mas isso fica pra outros capítulos.

Enquanto a mistura repousa na geladeira, vamos tratar de fazer a calda de açúcar. Tem vários modos de fazer calda e esse é o jeito que eu aprendi:

Pegue uma forma / assadeira com buraco no meio grande. Coloque uma quantidade generosa de açúcar (mais ou menos uma xícara). Adicione cravo, canela e gengibre (que pode ser em pó ou em pedacinhos). Coloque em fogo médio, observando o açúcar derreter e ficando dourado. Quando estiver derretido e escurinho, abaixe ou desligue o fogo e adicione ¼ de xícara de água fria. Uma pequena “explosão” vai ocorrer, com muita fumaça e a calda vai endurecer. Ligue o fogo novamente e vá mexendo com a colher de pau, tornando o melado líquido novamente. Quando estiver fervendo e adquirindo uma consistência um pouco mais espessa, desligue o fogo e deixe esfriar.

Quando passarem as horas da mistura de tapioca, retire a tigela da geladeira, mexa bem com a colher de pau e despeje tudo na forma. A essa altura a calda estará quase sólida, mas não tem problema se ficar um pouco misturada com a massa, fica até gostoso.

Cubra a forma com papel alumínio. Leve ao fogo em banho-maria, em fogo médio, tomando o cuidado de não deixar secar a água, o que rapidamente faz o pudim se queimar (e olha que eu já fiz isso várias vezes). O cozimento leva em torno de duas horas. O pudim pode ser feito também no forno em banho-maria, mas o cozimento é mais rápido e corre o risco de deixar a massa muito seca.

Para saber o tempo de cozimento ideal, vá verificando como anda a massa. Ela não deve ficar dura, consistente. Deve ser finalizada ainda com um aspecto de “massa crua”, porosa, úmida, mas ligeiramente consistente. Quando achar que está legal, desligue o fogo, deixe esfriar e, quando ainda morna, pode tentar desenformar, porque se esperar muito tempo, a calda pode endurecer e grudar no fundo.

O ideal é não colocar na geladeira, deixando ela esfriar naturalmente e pode ser servida sozinha ou com sorvete (que eu recomendo que seja de creme.

É isso! Essa receita tem feito muito sucesso entre os comedores e é sempre muito elogiada. Quanto mais baixo for o fogo e mais tempo levar o cozimento nesse fogo baixo, mais ele fica com consistência de “pudim de leite”. Do contrário, a massa fica parecida com uma queijadinha bem molhadinha. Mas fica ótimo de qualquer jeito. Mas vale muito à pena. É uma sobremesa barata, que rende bastante e agrada muito.

Risoto de Fungi Porcini e Filé Mignon


Em minha opinião, risoto é a comida que tem o maior equilíbrio entre a simplicidade na preparação e a gostosura. Pode-se fazer risoto do que bem se quer: e queijo, de tomate, de abóbora com carne seca, de frango, de carne, de frango com pequi e por aí vai. Basta ter o a arroz certo e qualquer ingrediente para compor que o resultado é quase sempre ótimo. Além disso, por ser um prato para ser preparado e comido na hora, gosto muito de faze-lo enquanto converso com os amigos, saboreando um bom vinho e, vez ou outra, um Marlboro vermelho.

Quando era mais novo, achava risoto uma coisa esquisita, não gostava. Mas não aprendi a gostar; percebi, já mais adulto, que estava comendo o risoto errado, que era geralmente feito com arroz comum e se transformava numa papa, quase um pudim de arroz salgado.

Muito tempo passou e conheci um italiano que me ensinou a fazer risoto como se deve. Em primeiro lugar, o arroz deve ser dos tipos especiais para risoto, chamados de arbóreo ou de “grano duro” (grão duro). A primeira diferença é que são grãos maiores, robustos, que não se dissolvem enquanto mexemos os ingredientes na panela. A segunda coisa é que não se deve lavar o arroz, porque isso retira muito do amido que forma aquela “papinha” gostosa do risoto. Além do mais, esses tipos de arroz já vêm em embalagens apropriadas e já limpos. Nem tem essa coisa de “escolher” arroz. A terceira coisa é o principal segredo de um bom risoto: o brodo.

Brodo quer dizer “caldo” em italiano e, antes de aprender a fazer risotos, só conhecia esse nome por aquela sopinha chamada de “capeletti in brodo” ou “capeletti no caldo”. Mas o brodo é qualquer caldo que se faça. Ele pode ser de carne, de frango, de legumes, de ervas e vai ficar fervendo enquanto se cozinha o arroz e, pouco a pouco, vai-se jogando esse caldo enquanto o arroz cozinha.

Meus brodos são sempre bem temperados, com bastante ervas aromáticas, azeite, alho, cebola, pimenta, sal, especiarias e alguma bebida alcoólica, como vinho, pinga ou conhaque, dependendo do tipo de risoto que será feito. À medida que o recipiente vai esvaziando, pode-se completar com água e deixar fervendo.

Estou em São Francisco Xavier, uma cidade montanhosa do Vale do Paraíba, próximo a São José do Campos, numa linda casa de campo. Esse risoto que está sendo feito na noite de hoje é dedicado a uma grande amiga que vem para jantar no dia de hoje. É ela quem está trazendo o fungi porcini, que veio da Itália especialmente para nós. O porcini é um tipo de cogumelo que tem uma cor amarelada, é muito saboroso, com sabor que lembra nozes e de consistência tenra. O filé mignon é aqui da região, carne vermelhinha, fresca e ainda por cima, muito mais barata.

Como aperitivo, servirei o tal do queijo Gaperon d’Auvergne acompanhado de figos iranianos secos e queijo Boursin de cabra com ervas finas, de um laticínio daqui da região, chamado “Sitio Pedra Grande”.

Bem, vamos ao risoto. Para fazer o brodo, cozinhe tudo na panela de pressão:

1/2 kg de filé mignon

03 galhos de cebolinha

03 galhos de salsinha

03 dentes de alho com casca e tudo

03 folhas de louro

03 folhas de limão (ou um pedaço de casca de limão)

01 cebola inteira sem casca,

01 punhado de pimenta do reino moída (em prefiro colocar pimentas inteiras, mas não tenho disponível)

01 copo americano de vinho branco (pode ser um vinho mais “vagaba”, mas sem exagerar...)

Sal a gosto

Completar com água até um pouco acima da metade da panela. Cozinhar em pressão até que a carne fique bem macia. Quando a carne estiver pronta, deixa-la da panela e reservar. Retire o caldo com o resto dos ingredientes e coloque numa chaleira. Esse é o caldo que vai ser usado para o cozimento do risoto.

E cadê o porcini? Opa! Quase me esqueci dele. O porcini deve ficar uns 20 minutos de molho em água quente. Ele não foi cozido junto com a carne porque chegou atrasado para a festa, mas isso também faz com que a carne não “roube” o sabor do fungi, que é a principal estrela desse jantar.

O risoto é um prato que rende bastante, porque o arroz ganha muito volume e, juntando os ingredientes, quase quadruplica de tamanho. Então 2 xícaras de arroz alimentam bem três a quatro bocas sem sobras, comendo bem.

Numa panela larga – eu gosto muito de usar a Wok – doure um dente de alho picado na manteiga. Acrescente o arroz e um pouco do caldo ( cerca de meia xícara). À medida que a água vai secando, vá acrescentando água o suficiente para formar um “laguinho”, mas nao aquele monte de água como se faz com o arroz comum. Quando ele estiver “quase pronto”, ou melhor, quando os grãos estiverem ainda duros mas já com a “papinha”em volta, é hora de acrescentar a carne e o porcini. No dia de hoje, não vou adicionar a carne à mistura e servirei em separado porque uma de minhas convidadas “está” parcialmente vegetariana. Mas o ideal seria dar uma refogada da carne com o fungui em um pouco de manteiga e então misturar com o arroz.

É lógico que eu gosto MUITO de manteiga, azeite e gordura, mas para quem quer economizar em calorias e cardiologias, é possível pular essa etapa, refogando a carne com o porcini em um pouco do caldo.

Jogar tudo na panela, mexendo sempre. Tem gente que fiz que o risoto tem que ficar com os grãos durinhos, mas eu me sinto comendo fubá de passarinho em gaiola. Gosto dos grãos mais macios, nada de crocância. Desligue o fogo, acrescente uns 100g queijo ralado, por exemplo o parmesão. Pode ser servido sozinho ou acompanhando uma salada ou alguma carne. Eu geralmente não me preocupo com isso, porque acho que o risoto é uma refeição por si só e dispensa acompanhamentos. Também é possível jogar salsinha e cebolinha fresca ou desidratada para enfeitar e complementar o sabor.

Risoto e vinho são irmãos siameses. E hoje comprei um vinho tinto Santa Carolina Cabernet-Merlot. Desculpe. Queria ter um vinho melhor, mas foi o que achei por aqui.

Então um bom apetite!